As 5 competências fundamentais para o compliance Fonte: Estadão, 03/08/2018
O conjunto de procedimentos, normas e controles que asseguram a boa conduta de uma organização poderia ser a única preocupação dos profissionais de compliance. Mas não é. Vícios e desvios comportamentais são resistentes a normas de conformidade e muitas vezes se instauram a despeito da política de correção e controle.
A Petrobrás é um exemplo disso: a corrupção que transitou pela principal estatal do país não respeitou o código de ética de mais de 300 páginas que já existia na empresa quando os desvios aconteceram.
O compliance requer um padrão de excelência comportamental que extrapola as competências técnicas. Um colaborador que tem comprovada inteligência operacional, mas é deficiente nas habilidades emocionais e espirituais, certamente põe em risco todo programa de conformidade da empresa. Por isso, cabe à gestão de compliance observar as ‘soft-skills’ (palavra em inglês que representa as habilidades mentais e emocionais) dos agentes para ter certeza de que o programa será cumprido efetivamente. As ‘soft-skills’ são a conjugação das inteligências cognitiva, emocional e espiritual.
Por inteligência cognitiva deve-se pensar nas habilidades técnicas, no QI do profissional. A inteligência emocional, ou o QE, é a que determina a qualidade dos relacionamentos e o equilíbrio emocional; já a inteligência espiritual (ou QS) – uma nova perspectiva defendida pelos estudiosos do desempenho de competências – garante um comportamento equânime e permite ao profissional mais condições de se alinhar aos processos internos.
Cinco competências pessoais servem de indicadores para assegurar o cumprimento do programa de compliance: conhecimento, entendimento, sabedoria, habilidade e personalidade. Estes cinco elementos conjugados devem ser observados em todos os agentes da empresa, desde o núcleo gerencial até o operacional.
Conhecimento é o resultado da aprendizagem. É mais que informação, pois a informação consiste de dados isolados; o conhecimento é a conexão destes dados e a aplicação deles para solução de um problema.
A simples informação das normas e procedimentos que “desoportunizam” o erro não garante que o funcionário agirá em conformidade. Para que haja conhecimento é necessário que se faça treinamento adequado e aplicabilidade prática.
Se a informação não se converter em comportamento, isto indica que não houve conhecimento. Tal concepção sugere que a gestão de compliance se valha da gestão do conhecimento para criar as ferramentas e métodos que gerem a aprendizagem sobre o procedimento requerido no programa de conformidade.
O entendimento é a abordagem emocional e espiritual do conhecimento. É a capacidade de julgar as consequências dos atos, dos efeitos da aplicação do conhecimento. O entendimento está muito vinculado ao critério das inclinações morais.
Enquanto o conhecimento do fogo informa que suas chamas queimam, o entendimento faz a pessoa julgar as consequências de pôr a mão no fogo. Com entendimento, o profissional tem senso crítico apurado, não toma atitudes insensatas, mantêm-se em integridade, respeita os limites de sua função, comporta-se com ética e faz o que deve ser feito independente de supervisão.
Sabedoria é uma competência intangível pouco explorada por ser também confundida com o conhecimento. Mas a sabedoria é o lado filosófico-espiritual do conhecimento. Consiste na capacidade de saber o porquê das coisas, o princípio, a causa. A sabedoria pode ser entendida como um conhecimento mais aprofundado, o saber geral, abrangente e “metafísico”.
Quem tem sabedoria age com correção, verdade e justiça; aplica o conhecimento com entendimento; humaniza os procedimentos e as relações. A sabedoria qualifica o profissional e o posiciona em destaque na corporação. A sabedoria garante que os valores inegociáveis da corporação serão preservados e diluídos na cultura de excelência.
A habilidade permite fazer com proficiência. As habilidades tem aspecto plural, pois uma habilidade pode ser potencializada por outra. Por exemplo, habilidade motora é necessária tanto para tocar piano quanto para aplicar uma injeção; já a habilidade social será muito relevante para o desempenho de tarefas em equipe, ainda que tais tarefas exigem habilidade técnica. A inter- relação das habilidades permite uma performance melhor qualificada do trabalhador e de seus líderes.
O saber fazer é essencial para que os procedimentos internos não se corrompam. A ausência de habilidade operacional ou social torna impossível o programa de compliance. Por isso, é necessário que esta competência seja validada em todos os setores da empresa, sob olhar atento dos supervisores.
Por fim, deve-se atentar para a personalidade: Todos as competências anteriores dependem da personalidade para que se chegue ao nível de excelência. A personalidade define o comportamento pessoal e envolve “caráter + temperamento”. Caráter é o que a pessoa é em sua essência. O temperamento qualifica as reações da pessoa quando está sob pressão.
A personalidade dos agentes pode comprometer diretamente os resultados esperados. Já que a corrupção é comprovadamente um problema de personalidade, cabe desenvolver na empresa ações e programas de acompanhamento pessoal para conhecer o perfil do funcionário.
Se for detectado algum comportamento que desvirtue o compliance, medidas imediatas devem ser tomadas para evitar maiores danos. Funcionários com desvio de personalidade certamente vão prejudicar o desenvolvimento do programa.
Estas cinco competências são fundamentais para o sucesso do compliance. Se elas forem habilitadas, certamente outras atitudes que colaboram com o padrão de excelência e conformidade da empresa serão automaticamente notadas, como visão: capacidade de antecipar (enxergar) o fim de um processo, mudança: disposição para se adaptar à realidade, flexibilidade, governo: habilidade de se auto-gerenciar; autocontrole e equilíbrio emocional, responsabilidade: cumprimento das tarefas com alto comprometimento, ação: disposição e agilidade nos processos, uso: capacidade de transformar recursos em propósito, reciprocidade: empatia e interesse em servir para ser servido, multiplicação: comprometimento com os resultados e produtividade, grandeza: humildade e capacidade de priorizar valores morais, unidade: envolvimento e engajamento com a equipe, perseverança: resiliência – capacidade de superar problema e prosperidade: sucesso pessoal e organizacional.
Todos estes elementos são ‘aplicativos’ de excelência que corroboram com a vitalidade e o sucesso da empresa. Mantê-los sob atenção dará à organização a segurança de que sua operação está alinhada com as normas mantendo o padrão ético e moral que fazem toda diferença no mundo competitivo.